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Talvez o rio, simplesmente, não seja tão divertido

Talvez o rio, simplesmente, não seja tão divertido para todos

O dia 16 de dezembro de 2018 está guardado na minha memória como um dos piores momentos da minha vida. Tudo parecia correr bem, eu e um grupo de amigos tínhamos combinado de fazer rafting e apesar de eu ser uma pessoa medrosa, achei que seria importante eu me desafiar e me divertir, porque afinal todos que já tinham feito diziam que era muito divertido. Entrei no bote tremendo de tanto medo com minha mente trocando de 5 em 5 segundos entre os pensamentos de que seria uma experiência diferente e de que eu iria me afogar naquele rio em algum momento. De algum modo meus pensamentos se tornaram realidade.

Em certa parte do rafting acontece uma espécie de escorregador, em que todos saem do bote e escorregam em uma determinada parte do rio na qual existe um degrau de profundidade com muitas pedras em volta. No começo foi dito para gente que não poderia ser feito aquele brincadeira porque tinha chovido muito na semana anterior e tinha uma correnteza muito forte, mas quando chegou naquela parte do rio os instrutores resolveram parar e fazê-la. A brincadeira consistia em ficar deitados, em duplas, e escorregar de um lugar mais raso para em um lugar mais fundo onde estariam monitores jogando uma corda para segurarmos a fim de não sermos levados pela água.

Depois de ver vários amigos fazendo a atividade e achando muito emocionante, resolvi então que iria com a minha amiga, Nathália. Assim como eu, ela tinha medo de atividades radicais e indo juntas, compatibilizávamos nosso medo para ser uma aventura calma e nada drástica. Combinamos que iriamos de mãos dadas o tempo todo, assim não nos separaríamos e se uma não pegasse a corda, a outra conseguiria.

Conforme descíamos, nos olhamos e rimos, porque não acreditávamos que as duas medrosas estavam conseguindo se desafiar. A água nos deixou longe de onde foram tocadas as cordas e eu, começando a ficar desesperada, nadei para alcançá-las, lembrando de não soltar a mão da Nath. Só consegui pegar a ponta de uma corda e minha mão começou a escorregar, via que não ia aguentar mais muito tempo, minha mão se soltou e minha amiga conseguiu alcançar a pontinha da segunda corda, mas já era tarde demais, era muito peso para um pequeno pedaço de corda aguentar. Em cerca de segundos, a correnteza nos levou rio abaixo, nossos corpos desciam e subiam por causa do colete salva-vidas, batíamos em todas as pedras que haviam no caminho e não conseguimos nem pensar na dezena de instruções que nos foram passadas no caso de um afogamento.

Nath soltou minha mão, eu fui mais um pouco rio abaixo e foi quando um dos instrutores veio ao meu encontro e me ajudou a sair dali. O homem me perguntava se eu tinha me machucado, mas eu não conseguia pensar em mim, só perguntava se minha amiga estava bem. Ele me respondeu que ela estava sendo socorrida e foi então que me permiti a falar que meus joelhos estavam doendo, que eu estava com muita falta de ar e uma dor muito forte no peito, ele percebeu que eu estava tendo uma crise de ansiedade e me ajudou a voltar a respirar normalmente. O monitor me acompanhou de volta até onde estavam os meus amigos e assim que vi a Nath, corri até seu encontro e uma sensação de alívio me percorreu. Descobri ao falar com ela que naquele momento que ela soltou minha mão, estava sendo salva e o objetivo era que eu fosse salva ali também, mas eu estava num estado de choque tão grande que não vi a corda sendo jogada pra mim.

Por dias eu senti o balanço das águas do rio toda vez que deitava em meu travesseiro. No instante em que me deitava não sentia mais que meu corpo estava ali, faltava o ar e as dores no peito começavam, essas sensações só paravam quando eu adormecia cansada de tanto chorar. Eu inventava mil atividades para fazer antes de dormir, porque não queria que aquele momento chegasse, não queria sentir como se eu estivesse me afogando novamente.  Após um tempo a sensação de afogamento parou de acontecer quando eu estava na cama. Entretanto, ela voltou a surgir enquanto que eu estava sozinha na piscina, tentava boiar e sentia a água entrando em meus ouvidos. Eu não consigo mais entrar em uma piscina sozinha e definitivamente não consigo mais ter vontade em nadar em um rio, somente de olhá-los de longe.

Às vezes, aquele dia que achamos que vai ser um dos mais felizes de nossas vidas, acaba se tornando um dos nossos maiores pesadelos. Não imaginamos que um passeio de carro pode acabar em um acidente; muito menos imaginamos que algum familiar pode morrer do nada sem se despedir; nem que um dia iremos podemos adquirir um machucado grave ao tentarmos fazer uma janta. Certas situações irão gerar traumas difíceis de serem curados, ocasionarão faltas de ar, sensação de pânico toda vez que tentarmos fazer algo relacionados a elas, mas quem sabe a vida coloque situações assim para aprendermos como lidar com elas, talvez o rio, simplesmente, não seja tão divertido para todos.
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